Eu não acredito que qualquer criança deva ser forçada a fazer terapia. Ponto.
Eu não acredito que todo comportamento de fuga, escape, evitação deva ser corrigido – pelo menos não antes de ter sido propriamente analisado. E por propriamente analisado não me refiro a dizer “ah, ele está gritando e se atirando no chão por fuga”. Isso é trivial. A pergunta é: por que a criança está fugindo da demanda?
Haverá quem diga que isso é próprio do autismo, que a criança quer evitar o contato social, a interação com outras pessoas. Não vejo assim. Não acho que crianças autistas queiram evitar outras pessoas. Eles querem evitar estilos de interação que lhes são desconfortáveis, invasivos, aversivos. Mas não as pessoas. Desconheço um autista que não goste de estar com as pessoas que lhe são queridas, com quem eles têm uma relação de carinho, respeito e cumplicidade. O que cria aversão, rejeição, fuga, escape – como queiram chamar – são os comportamentos e as atitudes das pessoas, não as pessoas em si. A criança não está sabotando objetivos terapêuticos (que ela obviamente desconhece); ela está recusando o contexto todo e sinalizando uma dificuldade.
Eu chamo isso de violência terapêutica. A ideia de que você pode ou até deve forçar uma criança a estar ou ficar em terapia a todo custo, a título de que “ela precisa” ou “ela tem que”. A ideia de que o comportamento da criança está errado e precisa ser concertado impositivamente e rapidamente. Que aquela hora de atendimento é mais crucial do que a saúde mental da criança.
Ali na sua frente está uma criança, com dificuldades de comunicação, tentando a todo custo dizer “eu não quero fazer isso”. E aí, nós, hábeis comunicadores, ignoramos isso ou no máximo sinalizamos um “ah, eu vejo que você não quer” (mas tem que fazer mesmo assim). Por quê? Ah, mas ela precisa. Verdade. Mas cabe a nós dar o suporte necessário para que a criança vença essa objeção, respeitando seu tempo e suas preferências.
Nesse processo terminam sendo apontados como culpados não só a criança como seus pais, que dão colo e acolhem a negativa do filho. Não é muito diferente do que acontece na adaptação escolar. Para a coisa acontecer, os pais precisam se sentir duplamente seguros: por um lado com a escola, a professora e o ambiente e por outro com as capacidades do próprio filho de lidar com a situação nova. Se alguma dessas partes falha, a adaptação complica. É aqui que entra o papel do professor – bem como do terapeuta – de conduzir com delicadeza a situação, usando mais mão de luva do que de ferro, trazendo tranquilidade, respeito e parceria para engajar família e criança.