Tem uma parcela relativamente pequena do meu consultório, mas que eu adoro, que é de crianças com dislexia. A dislexia é uma dessas condições incrivelmente fascinantes e reveladoras sobre a natureza do cérebro humano. Foi um oftalmologista alemão, Rudolf Berlin, que cunhou o termo dislexia, em 1887. Já naquela época, se especulava que a dislexia – apelidada de “cegueira para palavras” – nada tinha a ver com os olhos. Eles acreditavam que um dia descobriríamos um “centro de leitura” no cérebro. E, em alguma medida, estavam certos – mas nada tão complexo pode ser simples assim.
De fato existe uma área do cérebro que é crítica para a leitura. Trata-se de uma pequena região, que chamamos de “área do reconhecimento visual da forma da palavra”, localizada na junção dos lobos occipital e temporal esquerdos do cérebro. É a ativação dessa área que dá início ao processo da leitura no cérebro, fazendo com que a gente identifique – de forma aparentemente automática – a imagem de letras e palavras, antes de fazer a associação entre essa forma visual e o som (fonologia) ou o sentido (semântica) daquilo que lemos.
Em leitores fluentes, essa área agrupa as letras em unidades visuais maiores (palavras), permitindo a identificação rápida da palavra e evitando a necessidade de decodificar letra por letra. Vários estudos já mostraram que, em disléxicos, essa área do cérebro é bem menos ativa. Eles precisam usar outras regiões do cérebro – menos eficientes ou especializadas neste processo – para dar conta da leitura. E daí tudo sai com mais custo, mais devagar, exigindo esforço enorme do leitor.
A parte onde os cientistas do século XIX erraram é que não basta uma área do cérebro para ler. Quando as crianças aprendem a ler, o cérebro se modifica. Essa área da forma visual de palavras (antes relativamente desconectada e usada para identificar rostos!) passa a se conectar fortemente com outras regiões cerebrais, construindo redes neuronais que permitem integrar todo o processo (forma, som e sentido) e tornar a leitura algo aparentemente simples e automático.