Vejo muitas famílias aflitas com a ideia de que o cérebro da criança “vai se fechar” depois de uma certa idade mágica – 3, 5 anos. Que todo o potencial da criança – e consequentemente toda possibilidade de melhora do quadro clínico – depende do que for estimulado nos primeiros anos de vida. Que se não fizer terapias intensivas precocemente já era.
Não é bem assim. De fato, o cérebro da criança nasce com sua arquitetura pré-pronta, como as lajes de um prédio. Os neurônios – as células que formam o cérebro – estão praticamente todos lá já ao nascimento, à espera de informação (experiências) para começarem a se ligar uns aos outros. São essas conexões entre as células, entre neurônios, que vão formando as redes ou circuitos que organizam a forma como nosso cérebro trabalha. Tem um circuito visual, um auditivo, um motor, circuito de medo, de prazer, de recompensa… são diversas redes e estruturas que lidam e processam a informação que chega para nós do mundo externo.
Quando eu digo “informação” quero dizer vivências, experiências, acontecimentos. Coisas simples, banais. O circuito visual, um dos primeiros a se formar, começa a se desenvolver ainda no útero materno, mas ali quase tudo é sempre escuro. Ao nascer, o bebê tem sua primeira experiência com a luz. E são essas vivências – de luzes, cores, brilhos – que ajudarão a desenvolver o circuito visual. No escuro, o circuito não se desenvolve. Se eu enxergar luz pela primeira vez aos 3 anos de idade, meu circuito visual, de fato, nunca mais será “normal”.
Um outro exemplo simples, mas verdadeiro, dessa questão da plasticidade é o aprendizado de língua estrangeira: se eu aprender uma língua estrangeira quando criança, meu desempenho (especialmente minha pronúncia) nessa língua será muito melhor do que se eu aprender quando adulto. Por quê? Por que o cérebro imaturo da criança está pré-pronto para falar qualquer idioma. Nascemos com potencial para falar russo, árabe, japonês ou qualquer língua. São as experiências com o português – ouvir essa língua todos os dias – que fazem com que nosso cérebro se molde para falar o português e meio que se feche para as outras opções. O cérebro faz a “poda” de todos os outros sons que não são úteis para o falante do português (e daí quando você tenta fazer aquele “th” do inglês sai meio esquisito).
Para qualquer outro circuito, o processo é o mesmo. A criança precisa receber informações através dos seus circuitos periféricos (olhos, ouvidos, corpo) e viver experiências – prazerosas, dolorosas, amedrontadoras, engraçadas – para se constituir plenamente. É disso que o cérebro precisa, é isso que alimenta o cérebro. Experiências. Os neurônios estão ali, ao nascer, ansiosamente à espera de se conectar uns aos outros e isso acontece porque vivemos. Uma vida mais ou menos rica. E aí, de fato, é verdade que o cérebro é mais “plástico”, mais moldável, nos primeiros 3-5 anos de vida. O cérebro está ali esperando receber esses estímulos para se moldar, para formar suas conexões.
Assim, se o sol bater lá fora, e sua criança estiver monotonamente repetindo coisas na terapia, considere se não seria mais nutritivo para o cérebro ir tomar sorvete na pracinha com a mamãe.