Como inúmeras mães no Brasil e mundo afora, eu também estou lidando com a ingrata tarefa de envolver crianças pequenas em atividades escolares online. Minhas filhas têm 3 e 6 anos. Não é fácil pra ninguém, mas acho que algumas informações podem ajudar você a decidir como conduzir esse processo na sua casa.
O ponto de partida é entender que a aprendizagem é um processo muito dependente de afeto e emoções, em dois sentidos:
(1) o que a gente lembra, guarda na memória, é aquilo que passou pelo nosso cérebro emocional e nos marcou. Isso (essa saliência emocional) geralmente vem mais do contexto de aprendizagem do que do conteúdo ensinado (ex.: o tipo de atividade que estava sendo feita, o jeito como o professor falou, a música que ele cantou). O que isso me fez sentir? Se nada, essa informação será eliminada do cérebro. É em parte por isso que é difícil aprender pela tela.
(2) do outro lado, quando o sistema de estresse (cortisol, adrenalina) da criança está ativado, ela tem dificuldade de aprender. Raiva, medo, ansiedade, frustração, impaciência tudo isso desconcerta o cérebro racional. É como se o emocional (que é um sistema biológico mais primitivo, mas mais poderoso) bloqueasse o cognitivo. Logo, se a criança está odiando tudo aquilo, o aprendizado estará – de largada – comprometido.
Já que razão e emoção vão competir nesse processo, é preciso olhar a figura como um todo. Acho que todo pai e mãe de criança pequena entende (ou deveria entender) que até os 5-6 anos de idade, estamos construindo um alicerce que é fundamentalmente emocional. Todas as outras coisas (conhecimento, postura, atitudes, caráter) vem em cima disso. O papel do adulto é modelar comportamentos adequados (para criança <<ver>> como se faz, não adianta falar!) e ajudar a criança a aprender a se regular (auto-regulação do comportamento). Esse é o ensino fundamental nessa fase da vida. Pais que são muito permissivos ou muito rígidos dificultam esse processo, que exige paciência, sensibilidade e algum jogo de cintura.
Pois bem, voltando à aula online. Use essa infame oportunidade para trabalhar coisas importantes e úteis no desenvolvimento e no comportamento do seu filho. Não é assistir a aula A, B ou C o que importa, mas sim (1) formar uma percepção ou sentimento positivo em relação à escola e ao processo de ensino-aprendizagem (o aspecto afetivo) e (2) desenvolver os comportamentos e atitudes adequados e esperados em um contexto escolar (o aspecto desenvolvimental).
O que isso quer dizer exatamente? Primeiro, que o objetivo maior é fazer a criança gostar de aprender. Gostar da escola, gostar de ter aulas, de ter professor, de ter caderno, estojo, fazer atividades e ter colegas. Ouvir o professor, desafiar-se com algo novo, participar, dividir com a família o que aprendeu, mostrar seus trabalhos e pequenas produções. É isso. Se a gente arruinar isso com o ensino online, cobrando das crianças as coisas erradas, o risco é criar uma rejeição indevida à ideia de escola.
Crianças pequenas estão na escola para ir palpando a ideia de ordem, de regras, de esperar, de ouvir, de colaborar. A partir do 1º ano, é fundamental a criança desenvolver noções de responsabilidade, tarefas, compromissos – entender que escola não é “só brincar”. “Conteúdos”, nesta etapa, são menos importantes, exceto se a criança entrou no 1º ano sem uma adequada prontidão escolar (sem uma base boa de pré-escola) ou se ela apresenta algum atraso ou distúrbio do desenvolvimento. Crianças típicas vão aprender o abc, associar apple à maçã e desenhar uma casa – hoje ou amanhã – e não fará nenhuma diferença no futuro se elas sabiam isso aos 3 ou aos 6 anos.
Afinal, na prática, o que eu sugiro?
- Escute seu filho e priorize o que é importante. À medida que suas prioridades forem alcançadas, dê um passo adiante e puxe um pouco mais. Não espere, e muito menos exija, que a criança assista a todas as aulas com interesse.
- Valide o sentimento. Reconheça ou ajude a nomear a sensação: é cansativo, é chato, é difícil, que seria mais legal no presencial. Mas seja o adulto na sala e tente dar uma cor positiva, salientar algum aspecto bacana (ficar próximo dos irmãos, poder pegar coisas na geladeira, não ter que pegar o carro, etc). Não negue, mas não fique remoendo quão ruim é essa situação.
- Tome conta do seu próprio sentimento de estresse e frustração com o mundo em que vivemos para não contaminar a criança.
- Entenda que a escola precisa oferecer uma solução “para todos”, mas seu papel e direito como mãe ou pai é personalizar e adaptar ao que está acontecendo na sua casa, com seu filho. Ninguém nunca viveu isso antes, todos estamos nos adaptando e buscando o melhor.
- Experimente situações diferentes, se possível: cadeira com rodas ou não; no quarto ou na sala; no computador ou tablet; com a mãe ou sem a mãe; com fone sem fone; parado ou se mexendo; com água ou com comida; etc. Mostre que você se importa e quer ajudar a tornar a experiência melhor.
- Flexibilize. Procure balancear o que a criança “gosta” (ou tolera) com alguma exigência sua. De preferência, negocie isso com a própria criança – deixe ela ter parte nessa decisão (isso aumenta a chance dela ser cumprida). Procure encontrar um equilíbrio entre as preferências da criança e os valores e prioridades da família.
- Converse com o professor, descubra quais as expectativas para a turma e converse sobre ajustes que você entende sejam necessários para um melhor aproveitamento: eles geralmente são muito sensíveis a esses entendimentos e combinados.
- Lembre que quanto menor a criança, maior o nível de suporte necessário para acompanhar – e fazer render – a atividade. Uma contraparte presencial é muito importante ao ensino online. Se for com os pais, melhor ainda (as crianças tipicamente querem estar com e agradar os pais). Quando for possível, façam algumas das atividades juntos (mesmo que seja em horário assíncrono em relação à aula). Mostre interesse se quer que a criança se interesse.
Gradualmente, cada um vai descobrir o que funciona melhor na sua casa e qual é o limite do seu filho para manter essa experiência positiva e proveitosa, dentro do possível. Tornar o ensino online um fardo, gerando sofrimento adicional a tudo que já estamos vivendo, arrisca comprometer a integridade mental de toda a família e manchar, para sempre, a relação da criança com o processo de aprendizagem.