A resposta é simples: nenhuma. É exatamente isso que você precisa entender. Diabetes é uma doença, autismo não é – não importa o que digam. Diabetes é causado por uma disfunção específica: as células deveriam liberar insulina na presença de açúcar, mas não liberam. Muito açúcar no sangue dá problema. É um erro do organismo, com uma fisiopatologia específica e conhecida que gera uma disfunção específica e conhecida. Já o autismo é um grande pout-pourri de coisas – características, sintomas (bastante variáveis entre os indivíduos, diga-se) – só diagnosticável a partir da observação; nenhum exame, nenhuma assinatura biológica.
O autismo é uma forma diferente – que pode ser mais ou menos desadaptada ao nosso mundo, dependendo do caso – do cérebro se organizar e funcionar.
Por que é importante entender isso? Pela questão do tratamento.
A pessoa com diabetes precisa tomar insulina (ou seus substitutos). Se não tomar, mais cedo ou mais tarde, morre em consequência de uma doença não-tratada. Já o autismo, como não é doença, não precisa (nem deve, nem pode) ser tratado nesse sentido. Não é diabetes.
O indivíduo com autismo precisa ser ajudado nas suas dificuldades, amparado nas suas necessidades, compreendido na sua natureza. Quando pequeno, pode ser auxiliado a se desenvolver em alguns aspectos sociais, de comunicação e de linguagem; pode ser auxiliado na sua independência; ampliado seu repertório de interesses e brincadeiras. Mas isso não deve ser visto como um tratamento necessário. Ele ou ela não precisa de tratamento como um diabético precisa de insulina. As terapias, quando bem feitas, servem como um estímulo, um up, para que a criança com autismo se desenvolva mais rapidamente e seu potencial seja explorado de forma mais efetiva.
Já acompanhei muitos casos de crianças que – por diferentes motivos – nunca foram tratadas e estão muito bem, sem jamais ter feito qualquer terapia. Quantos adultos se descobrem autistas? Nunca foram tratados. O diagnóstico precoce teria ajudado? Sem dúvida: entender a si mesmo ajuda muito. Fazer 20h de terapia teria sido melhor? Não há nenhuma garantia nesse sentido. Veja: não estou falando contra terapia, só dizendo que não é algo imprescindível, sem o qual o indivíduo está “condenado”. A criança com autismo pode se desenvolver bem, mesmo sem terapia, sim.
Não é o tratamento; é o cérebro do indivíduo. O potencial está lá ou não está. A terapia ajuda a trabalhar esse potencial.
Digo isso porque muitas pessoas me perguntam. “Dra. Ele precisa fazer fono?”, “Precisa fazer TO?”, “Precisa fazer psico?”. Ora, precisar não precisa. Ajuda? Geralmente sim, às vezes muito. Ajuda os pais, ajuda a criança. Tem amparo, tem acolhimento, tem orientação, tem acompanhamento. Traz segurança, bem-estar, entendimento e ajuda na solução dos problemas do dia-a-dia. Ajuda a destravar potencial. Mas não é o tratamento em si, como um dentista que resolve uma cárie. Não são aqueles 45min (ou 4h) de sala. Terapia no TEA não é como ir ao dentista. É mais parecido com uma escola – onde, a cada dia, as experiências vão construindo pontes no cérebro e ajudando no desenvolvimento. É preciso mudar, evoluir, viver coisas. Sair da mesmice e da zona de conforto. Quanto mais pontes, mais experiências, mais chances de um melhor resultado. Com ou sem terapia.