Então nosso ponto de partida é entender que a brincadeira é a intervenção. Repita comigo: a brincadeira é a intervenção. E vice-versa. Em alguns momentos, você vai, sim, sentar na mesinha e ensinar coisas, modelo escolinha, mas a maior parte do tempo seu trabalho deverá ser brincar com seu filho.
Só não será da forma aleatória, casual e improvisada que a maioria dos pais brinca. Mas espero que siga sendo divertida ou no mínimo agradável e prazerosa. A sua brincadeira será planejada, sistemática, ordenada, com atenção a objetivos atingidos e metas não cumpridas. Você vai precisar de planilha, vai ter anotações. Papel e caneta serão seus aliados. Um teaser aqui: anote tudo o que faz seu filho sorrir.
Como não dá para brincar o dia todo, saiba que você também estará ajudando seu filho se você desligar o modo automático de fazer as coisas. Na correria do dia-a-dia, a gente não se dá conta de quase nada do que faz. Pense aí: colocar o creme dental na escova, passar manteiga no pão, enfiar a chave na porta, apertar a descarga no vaso, fechar a tampa da garrafa… não é tudo um aprendizado? Tudo tem um jeito de fazer, que parece muito simples e automático, e talvez a maioria das crianças até “pegue” essas coisas sem instrução formal. Mas, para o seu filho, que talvez esteja mais interessado nas propriedades geométricas da tampa ou no reflexo da luz na torneira, talvez seja preciso desacelerar e chamar a atenção dele para esses aspectos pragmáticos do cotidiano. Como é mesmo que se puxa e corta o papel higiênico? Aposto que você nunca pensou sobre isso.
Preste atenção nas atividades da rotina da casa, veja quais o seu filho tem mais interesse (mas não escolha nada que ele tenha verdadeira obsessão!) e aptidão e comece a desconstruir os passos necessários para completar a tarefa de forma bem-sucedida. Se seu filho gosta de lavar as mãos ou de escovar os dentes, comece por aí. Veja todos os passos necessários – e não são poucos! – e comece a praticar. Quer um exemplo? Lavar as mãos pode ser uma atividade de 12 etapas, conte comigo: subir na escadinha, estender a mão, girar a torneira, colocar as mãos sob a água, pegar o sabonete, passar na palma das mãos, guardar o sabonete, esfregar as mãos, colocar novamente sob a água, fechar a torneira, pegar a toalha, secar as mãos, guardar a toalha. Obviamente não há necessidade de ensinar 1 por 1, nem de ensinar os 12 de uma vez só. Vá no ritmo dele e não esqueça de parabenizar pelos sucessos intermediários – não espere ele fazer a coisa toda perfeita para incentivar. Não saiu legal hoje, não tava afim? Sem problemas: “Hoje não deu para fazer X, quem sabe outra hora, né?” e fim de papo. Não insista, não valorize, não demonize, tente não se irritar. Sempre que conseguir, respire fundo e não demonstre grandes emoções frente a falhas, birras, brigas e comportamentos indesejados.
Agora muita atenção e aqui entra a importância de planejar. Antes de querer ensinar qualquer atividade cotidiana para o seu filho, prepare o ambiente. Vá até o local, revise as etapas (a torneira está mesmo ao alcance da mão dele?) e tire tudo que não precisa! Deixe à vista somente os itens que você vai querer usar (neste caso, sabonete e toalha). Guarde o resto nas gavetas. Com o tempo, à medida que ele dominar a tarefa, o ambiente poderá voltar a ser mais “sujo” e natural, mas neste momento você quer evitar distratores que possam tirar a atenção ou tornar o ensino ou a aprendizagem mais complexas do que já são.